Thursday, February 2, 2012

António Feliciano de Castilho



Desterra teus vãos ciúmes,
festejo a quantas são belas;
mas sempre a rainha delas
és tu, Armânia cruel.

De teu semblante as lindezas
adoro noutros semblantes:
são meus passos inconstantes,
é meu coração fiel.

Não to nego, com Armia
Falo às vezes em segredo;
Não to nego, este arvoredo
Viu-me com Lilia brincar:

Porém com Lilia só brinco,
por ter nos brincos teus modos;
de Armia os segredos todos
os teus me fazem lembrar.

Furtei (confesso, e tu viste)
dois beijos, ou três a Estélla;
gabavam-me os beijos dela,
quis ver, se eram como os teus.

Toquei no seio de Tirse
se rosa uns botões fechados;
Tu és bela em teus enfados,
quis ver, como era nos seus.

Se a Ismene pedi cabelo,
foi só, por também ser louro;
fui rico do teu tesouro,
sem o obter da tua mão.

Amo em Gertrúria o teu riso
amo os teus olhos em Jônia;
preso nas cartas de Aônia
tua escrita, e discrição.

Um só coração me coube,
e tu és a flor das belas!
Nem mesmo entre os braços d'elas
te fora infiel jamais.

Por distração tenho às outras
vezes mil teu nome dado:
e até hoje inda a teu lado
não tive enganos iguais!

Meu pensamento amoroso
é qual Favónio entre as flores,
que a mil susurrando amores,
elege a rosa entre mil;

Por todo um jardim vagueia,
mas guarda a afeição saudosa:
passa, e lembra-nos da rosa,
da rosa ingênua, e gentil.

Quanto mais julgas, ingrata,
perder a tua conquista,
tanto mais se aumenta a lista
dos teus triunfos sem par.

De meu coração te queixas
serem sem conto as rainhas!
São escravas, que não tinhas,
que vão teu carro puxar.

Dez Análias te abandono,
Jônias duas, seis Temires,
e após estas, quantas vires
de semblante encantador.

Armânia, sobre áureas rodas,
por tuas rivais tirada,
sobe, de mirto c'roada,
ao Capitólio de amor!

Lá, sobre as aras do nume,
jura um prêmio aos meus ardores.
Quanto amará teus favores
quem tanto os desdens te amou!

Depois, sofre que ame sempre
em teu sexo a todos grato,
os pedaços de um retraio,
que a natureza quebrou.



António Feliciano de Castilho

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António Feliciano de Castilho



Desterra teus vãos ciúmes,
festejo a quantas são belas;
mas sempre a rainha delas
és tu, Armânia cruel.

De teu semblante as lindezas
adoro noutros semblantes:
são meus passos inconstantes,
é meu coração fiel.

Não to nego, com Armia
Falo às vezes em segredo;
Não to nego, este arvoredo
Viu-me com Lilia brincar:

Porém com Lilia só brinco,
por ter nos brincos teus modos;
de Armia os segredos todos
os teus me fazem lembrar.

Furtei (confesso, e tu viste)
dois beijos, ou três a Estélla;
gabavam-me os beijos dela,
quis ver, se eram como os teus.

Toquei no seio de Tirse
se rosa uns botões fechados;
Tu és bela em teus enfados,
quis ver, como era nos seus.

Se a Ismene pedi cabelo,
foi só, por também ser louro;
fui rico do teu tesouro,
sem o obter da tua mão.

Amo em Gertrúria o teu riso
amo os teus olhos em Jônia;
preso nas cartas de Aônia
tua escrita, e discrição.

Um só coração me coube,
e tu és a flor das belas!
Nem mesmo entre os braços d'elas
te fora infiel jamais.

Por distração tenho às outras
vezes mil teu nome dado:
e até hoje inda a teu lado
não tive enganos iguais!

Meu pensamento amoroso
é qual Favónio entre as flores,
que a mil susurrando amores,
elege a rosa entre mil;

Por todo um jardim vagueia,
mas guarda a afeição saudosa:
passa, e lembra-nos da rosa,
da rosa ingênua, e gentil.

Quanto mais julgas, ingrata,
perder a tua conquista,
tanto mais se aumenta a lista
dos teus triunfos sem par.

De meu coração te queixas
serem sem conto as rainhas!
São escravas, que não tinhas,
que vão teu carro puxar.

Dez Análias te abandono,
Jônias duas, seis Temires,
e após estas, quantas vires
de semblante encantador.

Armânia, sobre áureas rodas,
por tuas rivais tirada,
sobe, de mirto c'roada,
ao Capitólio de amor!

Lá, sobre as aras do nume,
jura um prêmio aos meus ardores.
Quanto amará teus favores
quem tanto os desdens te amou!

Depois, sofre que ame sempre
em teu sexo a todos grato,
os pedaços de um retraio,
que a natureza quebrou.



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