Não houve um dia, nesses últimos dois meses, sem que novas ranhuras se formassem nas paredes da minha casa. Passei a examiná-las com muita atenção, perscrutando-as, de modo a calcular seus caminhos, limitando-as, com o propósito de prever seus danos, antecipando-as, com o fim de descobrir sua origem. Tentei adivinhar para onde se dirigiam, se invadiam a casa, ou se dela tentavam fugir. Ouvi sons, murmúrios dissonantes, e, em sua maioria, melancólicos, vindos das paredes feridas, de pequenas fendas que se abriam à medida que o tempo passava. Chamei especialistas que não chegaram a conclusão alguma. “Dona, deve ser um problema estrutural da construção”, um deles disse, sem qualquer convicção. “E quanto aos sons que eu escuto?” Ele deu de ombros e se aproximou de uma das ranhuras, analisando-a com a visão e o tato. “Quando isso começou?”, ele perguntou, corrigindo os óculos no rosto. “Os sons ou as rachaduras?”, questionei, sem esperanças de resolução alguma. Ele olhou em minha direção, não escondendo uma certa impaciência: “as rachaduras”, respondeu. “Há dois meses.” Ele pigarreou e concluiu: “é, talvez tenha que quebrar tudo” e virou as costas. À noite, a luz se apagou. Primeiro, ficou intermitente durante algumas horas, depois apagou e os sons se intensificaram. Ouvi minhas memórias em sussurros dissonantes. Ouvi relatos esquecidos e doloridos. Ouvi as estações do ano em desejos de permanência. Ouvi seu adeus, sem possibilidade de sobrevivência, várias e várias vezes. Ouvi meu próprio lamento. Dormi, por fim, embalada pelo esvaziamento da casa. No dia seguinte, não encontrei mais qualquer ranhura nas paredes. Dessa vez as feridas se abriram em meu rosto. “É, talvez tenha que quebrar tudo”, pensei me olhando no espelho. E virei as costas.
P.S.: recebi da minha amiga keridissima Vênus
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