Thursday, October 28, 2010

A DESPEDIDA - Artur da Távola

Nunca se sabe onde está uma despedida.
Até no afã do até logo pode esconder-se um nunca mais.
Na frase infeliz, na simples conversa, algo pode estar morrendo, do amor ou da amizade.
Há despedidas que não são patentes.
Não se lhes percebe o estalo do afastamento, que pode estar no instante de mau humor, na resposta infeliz, na alegria que não se repete ou na palavra que deixamos de dar e receber.
Às vezes, está na palavra que dizemos.
Nem sempre as pessoas se separam: esgarçam-se às vezes. Viver esgarça.
É algo que se afasta sem romper completamente. Também no que esgarça pode haver despedida, pois, embora não haja perda de matéria, nunca mais será como antes.
Despedir-se é sutil, nem sempre aparece.
Seres em mutação, vivem a mudar sem saber. Na mudança, transforma-se em recordação o que antes era união e vontade, amizade ou convivência.
Tudo se faz retrato, álbum, caderno, poema, carta, saudade ou memória. A despedida não é por querer: acontece a despeito. Um simples "até já" pode conter inimagináveis nunca. Ou sempre.
Maravilhosa e cruel à vida! Tudo pode acontecer. As ligações, salvo poucas, fazem-se precárias e falíveis. Nosso destino é preso a acontecimentos semicontroláveis. Ou impulsos, cansaços, e as discordâncias, são imprevisíveis. E geram despedidas antes insuperáveis.
Ninguém sabe de quem se afastará. Nem quais as amizades e amores de toda a vida, nada obstante existam. Raros captam a dor que estala em cada hipótese de despedida. Separar-se contém sempre a hipótese da despedida. Por isso, uma dor sempre se infiltra em cada afastamento. Algo se assusta escondido em tudo o que se separa. Ainda que para ir ali pertinho e logo voltar.
Quem viaja ameaça a despedida. "Partir é morrer um pouco". Dizem os franceses, e com razão. Ainda que para encontrar-se depois, quem parte arrisca despedidas. Por isso, a emoção subjacente percorre-lhe o mistério e a "região das certezas absolutas".
As grandes despedidas dão-se - contudo - sem que o percebamos. As que sabemos e sofremos não são despedidas completas, pois a saudade e a memória hão de trazer de volta o sentimento genuíno que agora causa dor. As grandes despedidas infiltram-se no cotidiano e nos atos corriqueiros de cada dia sem ser percebidas. Muitos anos depois, vamos verificar que disfarçado em dia-a-dia ali estavam e estalavam saudades antecipadas, vários nunca dos quais jamais suspeitamos. Nunca se sabe onde está uma despedida.
A não ser muito depois...

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A DESPEDIDA - Artur da Távola

Nunca se sabe onde está uma despedida.
Até no afã do até logo pode esconder-se um nunca mais.
Na frase infeliz, na simples conversa, algo pode estar morrendo, do amor ou da amizade.
Há despedidas que não são patentes.
Não se lhes percebe o estalo do afastamento, que pode estar no instante de mau humor, na resposta infeliz, na alegria que não se repete ou na palavra que deixamos de dar e receber.
Às vezes, está na palavra que dizemos.
Nem sempre as pessoas se separam: esgarçam-se às vezes. Viver esgarça.
É algo que se afasta sem romper completamente. Também no que esgarça pode haver despedida, pois, embora não haja perda de matéria, nunca mais será como antes.
Despedir-se é sutil, nem sempre aparece.
Seres em mutação, vivem a mudar sem saber. Na mudança, transforma-se em recordação o que antes era união e vontade, amizade ou convivência.
Tudo se faz retrato, álbum, caderno, poema, carta, saudade ou memória. A despedida não é por querer: acontece a despeito. Um simples "até já" pode conter inimagináveis nunca. Ou sempre.
Maravilhosa e cruel à vida! Tudo pode acontecer. As ligações, salvo poucas, fazem-se precárias e falíveis. Nosso destino é preso a acontecimentos semicontroláveis. Ou impulsos, cansaços, e as discordâncias, são imprevisíveis. E geram despedidas antes insuperáveis.
Ninguém sabe de quem se afastará. Nem quais as amizades e amores de toda a vida, nada obstante existam. Raros captam a dor que estala em cada hipótese de despedida. Separar-se contém sempre a hipótese da despedida. Por isso, uma dor sempre se infiltra em cada afastamento. Algo se assusta escondido em tudo o que se separa. Ainda que para ir ali pertinho e logo voltar.
Quem viaja ameaça a despedida. "Partir é morrer um pouco". Dizem os franceses, e com razão. Ainda que para encontrar-se depois, quem parte arrisca despedidas. Por isso, a emoção subjacente percorre-lhe o mistério e a "região das certezas absolutas".
As grandes despedidas dão-se - contudo - sem que o percebamos. As que sabemos e sofremos não são despedidas completas, pois a saudade e a memória hão de trazer de volta o sentimento genuíno que agora causa dor. As grandes despedidas infiltram-se no cotidiano e nos atos corriqueiros de cada dia sem ser percebidas. Muitos anos depois, vamos verificar que disfarçado em dia-a-dia ali estavam e estalavam saudades antecipadas, vários nunca dos quais jamais suspeitamos. Nunca se sabe onde está uma despedida.
A não ser muito depois...

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